Fragmentos de diálogos
Ediçāo #42 | Recortes de algumas conversas com italianos e estrangeiros por aqui.
Final de ano, últimas semanas de aula na escola de italiano.
Sugeri uma “confraternização” da turma. Todos se animaram e aceitaram, inclusive a professora.
No penúltimo encontro, ninguém mais tocou no assunto. Eu até me lembrei, mas… senti vergonha de perguntar.
Vai que isso é só coisa de brasileiro? Querer reunir, confraternizar… Ok, nāo vai ter, pensei.
O último dia de aula chegou. Todo mundo trouxe algum lanche ou bebida para a comemoração.
E eu? Nada!
Dei a ideia do encontro e dei também uma de brasileira quando diz por dizer ou diz que vai, mas nāo vai, ou joga a ideia no ar e vê no que vai dar.
Sim, fazemos isso. Faz parte da nossa cultura, sim.
Corri para comprar um suco e uma água no café mais próximo da escola.
Que vergonha...
Aprendizado?
Nāo dizer só por dizer. Quando dizer que vai fazer algo ou marcar algo é para ir mesmo, fazer mesmo, sem achar que…, sem pensar que… talvez que… quem sabe...
Estávamos perto do Natal.
Na aula falamos sobre como eram as festas desse período do ano em nossos países.
Meus colegas contaram o que faziam e o que comiam na ceia em Marrocos, Paquistão, Iraque, Palestina, Peru, Argentina, Colômbia, Uzbequistão, Rússia, Ucrânia e, eu, no Brasil. Levantávamos para ir até a lousa digital escrever o nome de um prato típico do país.
Percebi a palestinense ao meu lado, quieta. Era o o primeiro Natal dela fora da Palestina.
Perguntei:
Sente falta do seu país?
Ela, mãe de quatro crianças, recém-chegada há cinco meses na Itália, respondeu:
Sinto falta da minha vida… Do meu trabalho…
Minha primeira consulta sozinha na ginecologista.
Eu estava nervosa. Escrevi tudo o que precisava dizer. Levei um papel com as anotações de todo o histórico familiar de câncer, inclusive os últimos exames que fiz no Brasil (é inútil, os médicos nem abrem).
Antes disso, perguntei para três mães da escola se poderiam me indicar uma médica.
Resposta das três:
Faz muitos anos que não vou ao ginecologista.
Como assim?, pensei.
No Brasil eu fazia os exames preventivos anualmente. Estranho…
Mais uma surpresa: ginecologista aqui só examina nossa parte de baixo.
Para fazer acompanhamento do seio, como o preventivo de câncer de mama, por exemplo, precisamos ir a um “senologo” - que no Brasil seria o nosso mastologista.
Pode até fazer sentido essa divisāo de especialidades, mas nāo é o que estou acostumada. Senti falta da medicina brasileira.
Pietro entrou na sala de aula da Marina e chamou-a pelos dois sobrenomes, naturalmente um meu e o outro do pai.
A professora escutou e disse:
Que bonito! Ela tem o cognome (sobrenome) do pai e da mãe também?
Eu, achando isso muito “comum”, respondi que sim.
Por quê?
Porque aqui só temos o “cognome” do pai. Não se coloca o da mãe.
Para os padrões da medicina italiana, sou (quase) uma hipocondríaca.
Completei dois meses de tosse.
Daquela que não pára.
Ela vai e volta nos piores momentos.
Fui ao médico pela segunda vez.
Pedi um antibiótico forte e a resposta foi bem do jeito italiano de ser:
Não precisa. Antibiótico só se você tiver febre.
A consulta durou 5 minutos.
O médico me examinou dali mesmo da cadeira onde eu estava explicando meus sintomas.
Escutou os pulmões.
Estão limpos, disse.
Tentei falar da garganta e engasguei nas palavras. Meu filho me corrigiu:
É "gola", mamãe.
O médico nem examinou minha "gola", pensei.
Não adiantou tentar aumentar o assunto para ver se conseguiria o antibiótico.
Receita?
Só aerosol três vezes ao dia.
Só?
Sim. Só.
Agora entendo porque se vive tanto aqui...
Sem perceber, cometi um "deslize" tentando me conectar profissionalmente com italianos no LinkedIn.
Nos convites personalizados eu começava a conversa com meu jeito brasileira de ser:
Olá "Fulano", tudo bem?
Que em italiano é:
Ciao "Fulano", come stai?
Dizer "Ciao" para quem você não conhece não pega bem (aprenda isso de uma vez por todas, Camila!)
O certo seria escrever:
Buongiorno (bom dia) ou Buonasera (boa tarde/noite).
Usar o "Come stai", então, é íntimo demais.
Esse é um tipo de pergunta que fazemos quando realmente desejamos saber como a pessoa está (de verdade, sabe?).
Nāo se pergunta “Como você está?” para quem você não conhece ou acabou de conhecer. Tem italiano que sente "fastidio" (incômodo, irritação) ao escutar isso, especialmente os mais velhos.
Aprendi na prática, porque já cometi várias gafes semelhantes antes de entender essa cultura local.
Me esqueci completamente de aplicá-la no networking, afinal, foram 39 anos falando, pensando, escrevendo e vivendo "em português" no Brasil, e, naturalmente, dizendo: “Olá, tudo bem?”.
Mais um aprendizado.
🌱 Colheita de palavras
Um espaço onde as palavras das crianças vão morar.
Mamãe, hoje depois que bateu o sino da escola, fizemos um minuto de silêncio para o Papa. Aí eu disse pra ele: você foi uma boa pessoa para o mundo. Nāo te conheci, mas te vi no vídeo.
Você disse isso para a professora, Pietro?
Claro que não, né mamāe? Falei isso dentro de mim. Todo mundo falou alguma coisa pra ele, de dentro.
❤️
📚 Piano piano
“Imparare piano piano” (Aprender devagar, no seu tempo, aos poucos).
Vou reformular esta parte da newsletter onde compartilho meu aprendizado, piano piano, com o idioma italiano.
Ela irá se transformar em uma edição separada, onde pretendo incluir uma curadoria maior de informaçōes e pesquisas para quem deseja aprender o idioma.
Espero que você goste!
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Obrigada pela leitura! Espero que esta edição te leve a algum lugar.
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Até a próxima ;)
Abraço!
Camila Tardin
Delícia de leitura, Camila. Meus filhos tem ambos os sobrenomes, e no caso do meu, completo. Ficou muito longo!