Escrever em português abre portas
Edição #5 | Queremos aprender novos idiomas quando é tão ou mais importante (primeiro) dominar a própria língua.
-È morbido.
-Oi? Como assim? Estou doente? Que tipo de doença? E agora?
Era o médico apalpando o meu primeiro furúnculo (da vida) na Itália.
Morbido quer dizer “macio”. Bem diferente do nosso mórbido, em português, que significa doença.
E foi assim, durante várias idas e vindas ao hospital de Arezzo para consultas, curativos e tratamentos dos novos furúnculos que invadiram meu corpo de novembro a dezembro de 2023 que descobri, da pior forma possível, a tradução de morbido.
Furunculose foi o diagnóstico final. Não desejo para ninguém!
Mas este texto não é sobre furúnculos. É sobre o quanto pensei a respeito do valor da comunicação e do domínio de um idioma durante esse episódio (bem desconfortável, é claro, e ao mesmo tempo rico em aprendizado).
Nunca tive disciplina para aprender novos idiomas. Comecei e parei vários cursos porque não tinha foco, estratégia e nem propósito bem definidos. Queria falar perfeito em vez de começar errando mesmo.
Já viajei para os Estados Unidos, Índia, Dubai, Bolívia, Argentina, Uruguai, Chile, Canadá, Suíça e até Itália sem a bendita “fluência” no inglês ou qualquer outra língua. Se soubesse melhor, com certeza os passeios teriam sido mais proveitosos ainda.
O que eu tenho é fluência no meu português que AMO aprender todos os dias.
Foi por causa da minha habilidade com o meu próprio idioma, na escrita, que consegui abraçar essas oportunidades de viagens lá atrás - boa parte delas foi a trabalho.
Entendi que para eu aprender uma nova língua é relativamente “menos” difícil quando estou imersa no seu ambiente de origem, mergulhada na cultura e tendo que fazer as conexões cerebrais necessárias para lembrar das palavras e usá-las (na marra) na rotina.
Dominar um segundo (ou até mais) idioma abre portas profissionais incríveis, mas hoje eu trabalho com produção e estratégia de conteúdos no LinkedIn para clientes do Brasil. Por isso, estou cada vez mais convencida de que gostar de português, interpretação de texto e escrita sempre me abriram muitas (e boas!) portas.
Confesso que ainda estou apanhando no italiano que, de fato, é lindíssimo, mas tem algumas particularidades que eu não esperava encontrar.
Aprendê-lo nunca foi meu objetivo e nem sonho. Hoje é uma necessidade e busco encará-la com paciência, diversão e curiosidade - nem sempre é assim e muito menos nessa ordem.
O que mais escutei antes de vir para cá foi:
-O italiano é muito parecido com o português, Camila. Você vai tirar de letra!
Tem sim muitas palavras semelhantes, porém outras tantas que, embora iguais, têm significados completamente diferentes do português - como é o caso do “morbido”.
A palavra piano, por exemplo, pode ser usada em diferentes contextos, porque tem pelo menos cinco significados. Este vídeo explica.
Tirando esses desafios, o que mais estou gostando de todo esse processo é ver como meus filhos são leves no aprendizado.
As crianças não têm medo de errar. Não se prendem à palavra “fluência”. Um preciosismo que criamos na vida adulta e nos bloqueia para o aprendizado de novos idiomas.
Elas vão lá e falam. E erram. E acertam. E aprendem. E brincam. E riem. E (me) ensinam, tanto!
É lindo ver e viver isso. Um tipo de leveza que busco me inspirar todos os dias.
Foto: Manu Rigoni. Recomendo este livro “Como se encontrar na escrita”, da Ana Holanda.
Colheita de palavras
Um espaço onde as palavras das crianças vão morar.
Comprei um clássico infantil em um pavilhão de livros novos e usados dentro de uma feira agrícola de Arezzo.
Cheguei em casa animadíssima para treinar meu italiano com as crianças, mas a sinceridade infantil é uma benção (e também um balde de água fria).
- Biancaneve e i sette nani…
(Marina me interrompeu).
- Mamãe, lê em “brasiliano” mesmo.
- Por que Marina? Não está gostando do meu italiano?
- Não mamãe.
(Detalhe importante: ela tem só 4 anos)
Piano piano
“Imparare piano piano” (Aprender devagar, no seu tempo, aos poucos).
Por aqui a música da vez é Ragazza Sola, da Annalisa. Virou o hit de casa. A letra é para adultos, mas as crianças gostam do ritmo (eu também) e a canção toca direto na rádio. Gruda como chiclete. Tocou na loja de materiais para construção, um dia desses. Não resistimos, cantamos e dançamos lá mesmo entre as portas, maçanetas, janelas, madeiras, parafusos e martelos.
Aleatoriedade
Li, assisti, gostei, me inspirei, salvei e compartilho aqui com você.
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Primeiro programa Roda Viva do ano. Fernanda Torres deu uma lição sobre autenticidade, escrita e vida - sem nenhuma pretensão de agradar nas respostas. Diva!
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Na minha opinião, o italiano é a língua mais linda!🤌🏻❤️
Excelente, Camila, como sempre! Gostoso ler suas vivências tão bem contadas e com reflexões que cabem a todas nós.