A dança das palavras
Edição #20 | E minha vontade de dançar a mesma música sem (tanto) esforço.
Você não me pediu permesso!
Mamãe, na prima volta que a gente foi lá…
Podemos fazer isso quatro voltas mamãe?
Esse sorvete é meraviglioso!
Mamãe, aprendi um novo truco!
É pericoloso fazer isso né?
Io mangio questo! É meu!
Prima di tutto vou comer e depois brincar…
Na minha escola brasiliana tinha folha de uva…
O que significa essa parola? Pergunta aí pro Chat mamãe!
Mamãe, qual colore você gosta mais?
Novos sons invadiram nossa casa. Palavras em português e italiano dançando juntas a mesma música. Saem espontaneamente da boca do Pietro e (até) da Marina, numa naturalidade inspiradora.
Já sonham e verbalizam em italiano quando dormem. O sinal mais evidente de que um novo idioma está sendo internalizado. Feliz demais em acompanhar essa evolução tão de perto!
O cérebro das crianças é incrível! Livre e pronto para ser preenchido com novas palavras, ideias e imaginações (sem julgamentos) todos os dias.
Sempre que escuto e vejo essa dança entre as palavras por aqui, penso como seria possível pegar alguns pedaços da simplicidade e da naturalidade das crianças e embalá-los em um recipiente mágico, de preferência a vácuo, bem apertadinho para não correr o risco de escaparem por aí. Assim, quando sentirem necessidade, podem resgatar essa embalagem na vida adulta para tornar alguns momentos mais espontâneos, cheios de vida e de energia.
Crescemos e nos esquecemos disso. Buscamos respostas com especialistas, nos livros, na internet e nas terapias da vida, sendo que o caminho (teoricamente) mais fácil seria observar e se inspirar nas próprias crianças. Voltar a imaginar e ver a vida com a retina delas.
Fui na segunda festa infantil aqui em Arezzo. Dessa vez era aniversário de uma amiga da turma do Pietro. Era para eu estar animada, porque sempre gostei dessas festas de crianças. Não perdia nenhuma no Brasil. Mas, pela primeira vez, senti preguiça de ser social, simpática, sorridente e de me comunicar em outro idioma. Meu desejo era encontrar uma alma brasileira, conversar abobrinha em português, sem precisar pensar e me esforçar para começar e manter um diálogo por mais tempo. Simples assim. Zero esforço.
Antes de chegar na festa, já queria saber que horas terminaria. Tentei me entrosar, mas não consegui. Escolhi sentar perto de uma senhora que também estava sozinha e parecia mais deslocada do que eu.
Puxei assunto e descobri que ela era tão estrangeira quanto eu: albanesa. Mora em Arezzo há seis anos, mas fala pouquíssimo em italiano. A comunicação entre nós duas, obviamente, não fluiu muito bem, embora ela fosse simpática e parecia se esforçar tanto ou mais do que eu para se comunicar. Consegui extrair algumas informações. Trabalha como cozinheira em alguma casa (ou na própria casa, não tenho certeza) e sua filha é cabeleireira em um salão da cidade. Bom saber disso, Marina precisa cortar o cabelo.
Elaborei algumas perguntas ao ChatGPT para avançar na conversa e, ainda assim, a senhora não me entendia. Sorria e balançava a cabeça como se quisesse dizer: não compreendo nada do que você diz, querida. Desisti. Voltei os olhos para o celular, tentando disfarçar meu desconforto na festa. A sensação era pior, porque ninguém estava no celular (lindo ver essa desconexão digital!); nem para tirar fotos das crianças. Aliás, só vi cliques durante os parabéns na mesa do bolo. Essa é a única memória que registram para a eternidade dos filhos: o momento do parabéns e ponto final.
Cantamos e, timidamente, fiz alguns rápidos registros. Sentei para comer o bolo e Marina me deu o mirtilo do recheio que estava maravilhoso! Esperei mais um pouco para ir embora e não parecer mal educada. Contei no relógio quanto tempo ainda ficaria ali, esperando. As crianças se divertiam - o que toda mãe e pai desejam, mesmo de olho no caminho da porta de saída.
Quando virei a cabeça para o lado direito, uma das mães, que chegou para buscar as filhas, me viu e acenou para eu sentar ao seu lado. Dei um sorriso e prontamente me levantei para tentar, mais uma vez, estabelecer um novo diálogo e gastar o resto de energia que ainda tinha. Conversamos. Soube que ela é professora de filosofia para adolescentes em uma das escolas. Adorei saber disso e pensei: poxa, por que você não chegou mais cedo? Teria tanta coisa pra te perguntar! (obviamente com a ajudinha do Chat).
Fui para casa pensativa, claro. Sorte ter as crianças por perto e conseguir ver a beleza e a naturalidade da infância, mesmo que nem sempre minha retina colabore. Essa parte importante dos olhos que faz comunicação com o cérebro, permitindo que ele entenda o que vemos. Às vezes ela parece nublada e contaminada pelas manias e inseguranças da vida adulta. Onde foi parar meu recipiente mágico embalado a vácuo, com a porção de simplicidade, vontade, coragem e naturalidade das crianças, para eu dialogar com adultos numa festa infantil?
🌱 Colheita de palavras
Um espaço onde as palavras das crianças vão morar.
Mamãe, eu só queria ter, de verdade, a teia do Homem-Aranha.
Pra quê, Marina?
Pra, se eu ver o bandido, eu prendo ele com a minha teia!
🔎 Descobertas da semana
Li, assisti, gostei, me inspirei, salvei e compartilho aqui com você
→ Maudie. Um dos filmes mais lindos que assisti neste ano até agora. E olha que nem é novo. É de 2017. Amei! Conta a história da pintora Maud Kathleen Lewis. Recomendo muitíssimo!
Lindo! 👏🏻