Uma leitura improvável
Edição #19 | De um livro sobre corrida, mas também sobre escrita e vida.
Até hoje o máximo de experiência que tenho com corridas, se é que podemos considerá-las como tal, foi correr atrás de alguns ônibus prestes a partirem dos pontos onde eu cursava o segundo grau e, posteriormente, a faculdade. Depois, aprendi a correr atrás dos meus filhos quando ainda eram pequenos e nas brincadeiras de pega-pega.
Nunca fui de praticar esportes e admiro quem gosta. Amava ocupar o meu lugar nos bancos de reserva das aulas de Educação Física. Gostava de observar os jogos de longe e nunca dentro das quadras. Torcia para não ser escolhida. Com toda essa minha falta de aptidão e interesse em atividade física (espero conseguir mudar isso em breve), seria muito improvável eu querer ler qualquer livro sobre corrida.
Mordi a própria língua ao ler “Do que eu falo quando falo de corrida - um relato pessoal”, do escritor japonês Haruki Murakami. Não se trata de um romance, mas, como o autor mesmo diz, é um relato pessoal e honesto sobre o ato de correr. Não traz receitas e nem tem o objetivo de ensinar como ser uma pessoa saudável. É quase um diário do que ele faz desde os 33 anos de idade: correr longas distâncias.
Logo no início da sua trajetória como maratonista, aprendeu uma frase com outro corredor e aplicou-a na própria vida:
A dor é inevitável. Sofrer é opcional.
Além de trazer sua rotina e experiência em maratonas, Murakami conta como se tornou escritor quando ainda era dono de um bar em Tóquio, onde fazia de tudo um pouco e, mesmo assim, arranjava energia e tempo para escrever na mesa da cozinha de casa até pegar no sono. Também descreve seu processo, evolução e relação com a escrita, e foi este o motivo pelo qual eu decidi começar por essa obra, sabendo que o escritor tem mais de 20 romances e contos publicados em mais de 40 idiomas.
Ando um pouco obcecada em conhecer histórias, técnicas e relatos sobre rotinas criativas, processos e modelos de trabalho cuja principal ferramenta de comunicação utilizada é a escrita. Parece até uma incoerência na nova era de ChatGPT, quando (talvez) minha obsessão deveria ser os “prompts”, mas não é.
Embora os romances de Murakami dividam opiniões, desejo ler outras obras dele para conhecer mais seus talentos. Nas livrarias que já andei por aqui em Arezzo, encontrei seus romances bem destacados nas prateleiras e vitrines.
O que mais chamou minha atenção no livro foi a relação que ele desenvolveu com a corrida e a escrita - práticas que fazem parte da rotina e da própria existência desse escritor. É como se uma não pudesse viver sem a outra. Correr e escrever fazem ele se sentir vivo, ainda que exista dor na execução de ambas, mas (lembra né?) a escolha de sofrer é opcional. Nas duas práticas ele evoluiu aos poucos, um dia de cada vez.
A corrida lhe ensinou sobre concentração, disciplina, consistência e persistência, o que um romancista também precisa ter, além do talento. Assim como a escrita, correr envolve rotina. E esta, por sua vez, é parceira da criatividade.
Forçar a si mesmo ao máximo dentro de seus limites individuais: essa é a essência de correr, e uma metáfora aplicável à vida — e, para mim, ao ato de escrever, também.
Haruki Murakami
Sinceramente, não quero sair correndo por aí depois de ler esse livro. Acredito que cada um pode buscar o que funciona melhor para si. Me incluo no time dos que ainda buscam.
Conhecer a história do Murakami é uma grande inspiração sim. Arrisco dizer que senti uma pequena vontade de saber como é correr - mais pela curiosidade da dinâmica com a dupla “corrida + escrita” do que pelo esporte em si.
Já me sinto inspirada e criativa nas poucas caminhadas durante a semana, então imagino que a corrida deva ser bem interessante. Se um dos meus projetos é envelhecer com saúde e, de preferência, fazendo o que gosto (escrever), dá para pensar na possibilidade de um dia começar uma corridinha de leve né? Quem sabe…
p.s. Logo abaixo, em "Aleatoriedades", fiz uma pequena curadoria de informações sobre o Haruki Murakami.
🌱 Colheita de palavras
Um espaço onde as palavras das crianças vão morar.
Segunda pergunta sobre os anjos por aqui.
Como os anjos fazem xixi?
Marina, você está aprendendo sobre anjos na escola ou viu algum desenho?
Não. Eu que quero saber.
Piano piano
“Imparare piano piano” (Aprender devagar, no seu tempo, aos poucos).
Vi este texto (abaixo) no vidro de uma livraria nas minhas andanças e adorei! Compartilho para inspirar. A tradução é do tio Google ;)
Aleatoriedade
Li, assisti, gostei, me inspirei, salvei e compartilho aqui com você
Algumas informações que descobri nas minhas buscas sobre o consagrado escritor japonês Haruki Murakami.
→ Vida e Obra de Haruki Murakami | Japão Para Viver #24.
→ Sobre Haruki Murakami no wikipedia.
→ 3 livros para começar a ler Haruki Murakami.
→ 3 filmes baseados na obra de Haruki Murakami.
→ Abandoning a Cat - um texto lindo no The New Yorker.
→ Murakami: escrever é ‘descer ao segundo subsolo da alma’.
→ Viajando com Haruki Murakami, de Tóquio à Finlândia.