Um país quase perfeito
Edição #34 | Uma semana na Suíça e a breve percepção do que é o outro mundo.
Estive na Suíça durante uma semana. Voltei para a Itália perplexa com tamanha diferença entre os dois países territorialmente tão próximos um do outro. Não foi minha primeira visita lá. Na verdade foi a terceira, feita durante uma estação e momento distintos das anteriores. A diferença agora é que fiquei mais tempo do que nas outras vezes e, além disso, é verão.
Viajei de carro, dirigindo pela primeira vez numa autoestrada com pista dupla, ora tripla, ora quadruplica. Podia escolher onde conduzir meu “libertà”, como o chamo carinhosamente, conforme a minha velocidade. Eu, que sempre tive medo de pegar estrada em Mato Grosso, nunca consegui dirigir nem mesmo de Cuiabá até Chapada dos Guimarães, com receio dos carros que vinham na direção contrária e do tempo hábil necessário para ultrapassá-los.
Fomos visitar a terceira avó das crianças. Uma suíça que cuidou do meu marido durante um período da infância dele e, por isso, pode-se dizer que ela tem uma experiência de vida com brasileiros. Compreende e respeita nossas diferenças culturais. São muitas.
O que me surpreendeu agora foi perceber com mais clareza como a Suíça é um país a parte, diferente de tudo e do pouco que já vi até o momento. E olha que não atravessei o país por completo.
Tenho consciência de que não posso generalizar minhas impressões. Estive em apenas um pedacinho particular do cantão Ticino, mas o suficiente para compreender o significado do que é "o outro mundo". Ticino fica no sul do país e faz fronteira com a Itália. É o único cantão suíço onde o italiano é a língua oficial.
Trago aqui minha percepção sobre a paisagem, cheia de montanhas e lagos, como o de Lugano - lindo tanto no verão quanto no outono.
Tudo é tão bem estruturado, ruas limpas, asfaltos perfeitos, sem buracos, ondulações e remendos. As montanhas parecem tão próximas de nós, como se pudéssemos tocá-las ao estender os braços para fora da janela do carro. Fizeram, inclusive, Marina se lembrar da montanha “Te Fiti”, do filme Moana.
Olha Mamãe, parece que as montanhas estão vivas, tipo do filme da Moana! E que elas vão se levantar!!!
Parques arborizados e com brinquedos infantis de uma qualidade surpreendente - o que não observei com tanta atenção na minha primeira visita no outono de 2015, quando ainda não tinha filhos.
Tudo no lugar. Tudo tão certo, tão (aparentemente) perfeito que me provocou aquela sensação de estranhamento e de não pertencimento. É como se a palavra "improviso" não fizesse parte do vocabulário dos suíços, ou nem pudesse ser traduzida em nenhum dos quatro tipos idiomas que dividem o país, caracterizado também por sua diversidade linguística. Ainda que meu sobrenome seja de origem suíça (Tardin), me senti estranha com toda a organização estrutural se revelando diante de mim em tão poucos dias.
Até o tempo é diferente. Corre pontualmente, preciso, perfeito. Tão perfeito que quase despertou minha ansiedade, esta "parceira" de longa data e com a qual já entendi: não posso mais brigar. Identificá-la e tentar reduzi-la, sim. Eliminá-la por completo, jamais.
Entre os passeios para mostrar às crianças esse novo território, conhecemos o Monte Generoso. Um lugar belíssimo, com uma infraestrutura espetacular, onde conseguimos ver a cidade, o lago de Lugano, as vacas e as cabras caminhando entre as montanhas. Para mim, que trabalho no agro brasileiro há mais de 15 anos, foi surpreendente ver de perto tamanha destreza dos animais para se equilibrarem e se alimentarem. Bem diferente do que sempre vi em Mato Grosso.
Em outro ponto turístico conheci uma brasileira, sergipana, de 56 anos. Ainda preserva seu sotaque nordestino, mesmo vivendo há quase 30 anos numa cidade italiana bem próxima da Suíça. Trabalha há 10 anos na mesma empresa porque, confidenciou-me, receber em franco suíço é melhor do que em euro na Itália. “O deslocamento diário compensa”, disse.
Ao me escutar falando em português com as crianças, logo me perguntou de onde éramos. Em menos de cinco minutos, soube de quase toda sua vida e os motivos que a levaram viver lá. Essa é uma característica tão forte dos brasileiros que encontro por aqui. É como se quiséssemos, em um breve intervalo de tempo, compartilhar o máximo possível sobre nós e “os porquês” de nossas mudanças. Como se nesses diálogos procurássemos tanto semelhanças quanto diferenças, inclusive em nossas decisões.
Contou-me quanto ganhava em franco e que jamais conseguiria receber aquela quantia no Brasil para educar os filhos. Casou-se com um italiano, mas separaram-se depois de alguns anos porque ele se apaixonara por outra mulher. Notei um tom de lamento e frustração. Ainda assim, ela decidiu continuar na Europa.
No mesmo dia, conheci outro brasileiro muito rapidamente. Estávamos em um restaurante, levei as crianças ao banheiro e não consegui abrir a porta. O rapaz me escutou e logo respondeu em português: “precisa empurrá-la com força”.
Ahhh, um brasileiro! De onde você é?
De Mato Grosso.
Nós também! Somos de Cuiabá, e você?
De Cuiabá também.
Nossa, que coincidência! Mora aqui há quanto tempo?
Cresci aqui.
Legal, na volta a gente conversa.
Voltei, mas ele já não estava mais lá. Não demonstrou tanto interesse em continuar a prosa como a sergipana. Tudo bem. Mundo pequeno, pensei.
A Suíça que eu vi novamente em poucos (ou mais) dias é linda! Extremamente organizada, tem água potável na torneira dos banheiros, nos bebedouros públicos dos parques e das praças. As pessoas falam baixo, as ruas são extremamente limpas e silenciosas. Se vivesse lá, penso que talvez teria mais dificuldade em me adaptar a essa aparente perfeição e, quem sabe, fazer amizades seria mais desafiador ainda.
Voltamos para a Itália e não teve como não notar a diferença das paisagens e das árvores da Toscana com as montanhas de Ticino, cada qual com sua beleza particular. Me senti em casa. Mais adaptada, inclusive com minhas próprias imperfeições. Sensação boa essa.
🌱 Colheita de palavras
Um espaço onde as palavras das crianças vão morar.
Mamãe, sabia que o meu cérebro está guardando os sonhos? É o cérebro ou o estômago que guarda os sonhos?
Marina
📚 Piano piano
“Imparare piano piano” (Aprender devagar, no seu tempo, aos poucos).
Para escutar com as crianças. Fábulas em italiano.
🔎 Descobertas da semana
Li, assisti, gostei, me inspirei, salvei e compartilho aqui com você.
Se a IA pode gerar bons textos, o que eu ganho escrevendo melhor? Um texto excelente, da Clara Cecchini, que me abraçou nos últimos dias quando buscava assuntos relacionados à IA generativa.
Quando a viagem é feita para ser postada? Reflexões da
e que ressoaram em mim e em como venho percebendo os hábitos analógicos dos italianos.Estamos vendo as mesmas coisas e consumindo as mesmas imagens. Da
. O bem e o mal das redes sociais.Seu celular (e o meu) ☕️🐢. E as nossas constantes comparações, por
.💌 Perdeu alguma edição?
Obrigada pela leitura! Espero que esta edição te leve a algum lugar.
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Até a próxima ;)
Abraço!
Camila Tardin
Existe uma lenda que diz assim:
"Em qualquer lugar do mundo, se você não vê um cuiabano, tome cuidado, pois há um cuiabano te vendo".
A aparente perfeição suíça é o tema do pavilhão deste país na Biennale di Venezia 2024: Super Superior Civilizations, encabeçada por um artista suíço-brasileiro, inclusive. Estou animada para visitar tanto a exposição, quanto o país (esse último ainda vai demorar um bocadinho, talvez no ano que vem). Muitíssimo obrigada pela menção!