Ana* e João* são argentinos. Ela é professora de matemática e ele é arquiteto. Mudaram-se para a Itália há um ano. A filha mora na Espanha. Eles bem que tentaram, mas não gostaram de viver lá. Preferem o país da bota.
Aos 53 anos de idade, estão recomeçando juntos uma nova vida.
Gosto daqui. Prefiro a Itália do que a Espanha, diz Ana.
Por que?, pergunto.
Porque os italianos são mais amigáveis do que os espanhóis.
[Corta para o assunto Brasil x Argentina no futebol. Estamos no pátio da escola, aguardando o treinamento de evacuação de emergência.]
Nós gostamos do Brasil, diz João.
Mesmo com a rivalidade no futebol?, provoco.
Sim. Os brasileiros são amigos, já os chilenos não. São traidores! Deixaram os ingleses invadirem a Argentina entrando pelo Chile, responde, referindo-se à Guerra das Malvinas.
[Corta. Termina o treinamento. Voltamos à sala.]
A atividade é fazer uma breve apresentação pessoal e dizer o que achamos de morar na Itália.
Ana elogia a cidade, Arezzo. Conta que foi bem recebida e gosta do clima. Quer voltar a dar aulas, por isso se dedica ao novo idioma.
Está ajudando o marido com a papelada da cidadania italiana por matrimônio. Quando lembra da filha… sua voz engasga. Não consegue concluir o diálogo e nem conter as lágrimas de saudade.
(O silêncio invade a sala).
Agora é a vez da peruana Maria*, 52, se apresentar. Mora na Itália há cinco anos. Seu marido é italiano, por isso veio viver aqui.
É cabeleireira. Teve um salão durante 30 anos em Lima. Sente falta de ter o próprio negócio. Hoje faz faxina duas vezes por semana na casa de uma senhora.
Está focada nos estudos para tirar a cidadania e depois trazer o filho, a nora e o neto. Assim que começou a falar deles, sua voz estremeceu. Não conseguiu segurar o choro também.
(Silêncio, novamente).
Chegou o momento de mais uma latino-americana “parlar”.
Camila, 40 anos, brasileira, jornalista, casada, dois filhos. Estamos aqui porque… Gosto daqui porque… Sinto falta de…
Não engasguei. O Pietro e a Marina ainda são pequenos (penso), estão aqui conosco (comemoro).
Vinte minutos de aula foram suficientes para me projetar até um futuro não muito distante. As crianças terão asas, lembro. Esse é o objetivo da criação, certo?
Mesmo consciente dessa "natureza" da vida, saio da escola pensativa e com uma sensação de urgência. Uma vontade de aproveitar mais “o agora” com elas, porque vão crescer (já estão) e irão embora também.
E eu? Como ficarei?
Talvez contendo (ou não) o choro. Engasgando ao falar dos filhos em algum lugar, para alguém.
Novos silêncios e (re)começos.
…
*Os nomes são fictícios. As histórias são verdadeiras.
🌱 Colheita de palavras
Um espaço onde as palavras das crianças vão morar.
Mamãe, eu queria tanto ter uma nave pra conhecer a galáxia. Será que dá pra gente pegar numa estrela?
Você tem que colocar o cinto na cadeirinha, Pietro. (Marina responde)
Eu sei, Marina!
📚 Piano piano
“Imparare piano piano” (Aprender devagar, no seu tempo, aos poucos).
Não sei como descobri este podcast com histórias curtas em italiano. Bem interessante!
🔎 Descobertas da semana
Li, assisti, gostei, me inspirei, salvei e compartilho aqui com você
→ Eu tenho um “vício” na escrita com a conjunção “mas” (link). Preciso estar sempre vigilante. E você? Tem algum vício de palavra? Uma provocação que fiz lá no LinkedIn.
→ Empatia artificial - Pode estar em falta no mundo real, mas não na inteligência artificial (link). Mais um texto (top) da
para nos fazer pensar.→ O que está acontecendo com a Geração Z? (link). Reflexão trazida pela
sobre os impactos das telas e redes sociais. Um tema que estou sempre de olho.→ Trabalhadores jovens não querem ser gerentes (link). Acho isso tão curioso…
→ O Brasil ainda não sacou o poder do Branding - e perde dinheiro com isso (link). Entrevista com a especialista no assunto, Ana Couto. Uma aula sobre marcas.
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Obrigada pela leitura! Espero que esta edição te leve a algum lugar.
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Até a próxima ;)
Abraço!
Camila
Sensibilidade no trato ao texto. Lindo, Camila! E que mágicas as falas das crianças. Continue nos dando esta prosa poética que acompanha teus dias e as cartas.
Camila por aqui silêncio, engasgo te lendo!!! Como é linda sua sensibilidade poética em texto. Com ou sem corujice estou aqui em lágrimas de saudades do que também há por vir por aqui com a minha garota de 10 anos e suas asas por esse mundão… piano piano lá vamos nós!